ANCESTRALIDADE ESTUDO GENÉTICO DOS PRIMÓRDIOS PARAENSE

  Se observarmos os hábitos culturais da população na região metropolitana de Belém do Pará, como tomar açaí, tacacá, dormir em redes, entre muitos outros, diremos que os primeiros habitantes das nossas terras, os índios, contribuíram bastante para a formação do povo paraense. Atualmente já é possível sabermos, de fato, a porcentagem que cada um tem de "sangue indígena" (quanto possuímos de descendência indígena no dna), graças a técnicas avançadas de pesquisa sobre ancestralidade, na área de genética, nos laboratórios da Universidade Federal do Pará (UFPa).

  É possível saber com clareza quais são nossos ancestrais (índios, africanos ou europeus) e também a parcela de contribuição de cada uma dessas etnias em nosso DNA (herança genética), ou seja, os novos tipos de diagnósticos genéticos permitem determinar qual a porcentagem de genes europeus, africanos e indígenas em cada indivíduo, em uma população completamente miscigenada.


  O professor Sidney Santos, do Laboratório de Genética Humana da UFPa, é um dos pesquisadores que atua na área de genética. Ele aponta três aplicações principais das pesquisas sobre ancestralidade. Uma delas é em práticas forenses (criminalística). O uso de exames de DNA para a identificação de criminosos ou confirmação de paternidade já é comum nos processos judiciais, mas as análises de ancestralidade podem trazer inovações. Em um caso de estupro, por exemplo, o sêmen deixado pelo criminoso, numa análise comum, serve apenas para confirmar a suspeita quando o estuprador é capturado. Com a análise de ancestralidade, esse vestígio do crime pode indicar algumas características físicas do criminoso, por exemplo, a cor da pele e traços físicos.

  Uma outra aplicação da pesquisa sobre ancestralidade sera na medicina. Muitas doenças são causadas tanto por fatores ambientais, quanto por fatores de origem genética. Estudos mostram que determinados tipos de doenças são predominantes em brancos, outros em negros e outros em indígenas. Evitando erros nas pesquisas sobre doenças e suas causas genéticas, pois o gene tende a ir junto com a doença, embora ele não seja necessariamente o seu causador. Possível também determinar os tipos e a quantidade de doses de antibióticos, que uma pessoa pode tomar para curar uma infecção, sem aparecimento de efeitos colaterais e alergias nos pacientes.

  Procedimento: os dados da ancestralidade permitem fazer pareamento entre os indivíduos doentes, amostra chamada de "caso", e dentre os saudáveis, cuja amostra é chamada de "controle". Isso significa que, para o estudo de uma doença, os resultados serão mais precisos se as amostras de "caso" e "controle" possuírem ancestralidade semelhante, ou seja, mesma porcentagem de genes de origem européia, negra e indígena. "Antigamente o pareamento era 'branco com branco', o que 'parecia moreno' com 'moreno', e isso era absolutamente subjetivo. Com esses dados é possível parear com exatidão. Se para estudar tuberculose, por exemplo, eu usar uma pessoa doente como 'caso' que tenha 70% de genes europeus, 20% de genes indígenas e 10% de negros, eu vou usar como 'controle' uma pessoa saudável, com essas mesmas características. Isso a gente chama de controle genético", conclui o professor.

  Os estudos de ancestralidade podem contribuir, ainda, com o estabelecimento de políticas públicas relacionadas à questão da etnia. O estabelecimento de cotas étnicas ou a promoção de programa específico de saúde, podem ser mais bem desenvolvidos.

BELÉM PREDOMINÂNCIA EUROPÉIA:

  Na última Jornada Acadêmica "Professor Manoel Ayres", promovida pelo curso de Biomedicina da UFPA, foram apresentados dois Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs) baseados em pesquisa de ancestralidade. O formando Giorgio Marques trabalhou no desenvolvimento de marcadores de ancestralidade indígena, comparando amostras de pessoas das cidades de Belém e Porto Alegre. A outra pesquisa foi da formanda Luana Maciel, que trabalhou no desenvolvimento de marcadores de ancestralidade européia, também comparando amostras dessas duas cidades. Ambos os estudantes integram o grupo de pesquisa do professor Sidney Santos.

  A pesquisa desenvolvida por esse grupo usa como parâmetro um tipo específico de marcadores genéticos, chamados "marcadores de inserção/deleção" (INDELs), são "pedaços" de DNA que podem ter sido acrescentados (inserção) ou eliminados (deleção) de uma seqüência de genes. Luana usou 16 desses marcadores na análise da ancestralidade européia, e Giorgio usou 13 marcadores de ancestralidade indígena. A pesquisa global do professor Sidney Santos utiliza 60 marcadores como parâmetro.

  Os INDELs foram escolhidos porque apresentam algumas vantagens em relação a outros marcadores padrões, pois são muito fáceis de identificar (necessário apenas ver se há inserção ou deleção). Com isso, o número de reações químicas utilizadas em uma análise é menor, facilitando os processos e diminuindo custos.

Herança Genética:

Herança População de Belém: 
Contribuição Indígena 30% / 22,4%;
Contribuição Européia 51% / 55,7%;
Contribuição Africana 15,6%.

Herança População de Porto Alegre: 
Contribuição Indígena 20% / 9,9%;
Contribuição Européia 61% / 77,4%
Contribuição Africana 15,6%.

  Com base nos marcadores de ancestralidade indígena, Giorgio encontrou uma contribuição de 30% desse grupo na população de Belém e 20% na população de Porto Alegre. Já a contribuição européia encontrada para Belém foi de 51% e para Porto Alegre de 61%. A contribuição africana ficou em 20% para Belém e 19% para Porto Alegre. Luana, a partir dos marcadores de ancestralidade européia, encontrou para Belém contribuições de genes europeus em 55,7%, de indígenas em 22,4% e de africanos em 15,6%. Já na capital gaúcha a porcentagem de contribuição européia sobe para 77,4%, a de indígenas cai para 9,9% e a de africanos fica em 15,6%.

  A diferença de resultados nas análises de Giorgio e Luana se deve à diferença de marcadores usados. Giorgio afirma que "poderia firmar com maior segurança a porcentagem encontrada de contribuição indígena em Belém e Porto Alegre, porque os marcadores foram de ancestralidade indígena. As contribuições européias e africanas podem ser melhor calculadas mudando para os marcadores específicos dessas etnias, semelhante ao que a Luana fez com os marcadores europeus". Na fase seguinte da pesquisa esses dados alcançados em trabalhos separados serão agrupados para dar um resultado final.

  As cidades de Belém e Porto Alegre foram escolhidas como amostras porque ambas passaram por intensos processos de miscigenação, porém de forma diferenciada. Segundo Luana, "O importante desse trabalho desmistificar o que muita gente pensa, que em Belém a contribuição indígena é maior do que qualquer outra. Em Belém, assim como em Porto Alegre, a contribuição européia é maior.Porém Belém tem muito mais contribuição indígena que Porto Alegre".

  Fonte: UFPa

A MISCIGENAÇÃO NO BRASIL:

  O Brasil é um “caldeirão de raças”, onde brancos, negros e índios se uniram numa receita que formou uma das populações mais miscigenadas do planeta. Esta imagem idílica de uma verdadeira “democracia racial” brasileira, no entanto, está longe de ser acurada. Depois de vários estudos demográficos, feitos com base em dados de censos e outros levantamentos populacionais, indicarem uma forte tendência dos brasileiros em se relacionarem e casarem preferencialmente dentro de seu grupos étnicos e socioeconômicos ao longo da História do país, algo que só vem mudando sutilmente nas últimas décadas, agora a mais ampla e detalhada análise genética da ancestralidade da população brasileira realizada até o momento vem reforçar esta visão. Mostra um nível de miscigenação menor do que se poderia imaginar caso o mito fosse verdadeiro.
  A partir de dados disponíveis sobre 6.497 indivíduos das três chamadas coortes que fazem parte da iniciativa EPIGEN-Brasil (projeto que visa investigar a predisposição da população brasileira em desenvolver doenças complexas tendo em vista justamente seu nível relativamente alto de miscigenação e o maior do tipo na América Latina), cientistas liderados por Eduardo Tarazona Santos, professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), identificaram o quanto do genoma de cada um deles tem origem europeia, africana ou nativa das Américas (ameríndia).
  Como esperado, os genes da população da primeira coorte — 1.309 indivíduos de Salvador (BA) — apresentam uma grande ancestralidade africana (50,8%), seguida da europeia (42,9%) e ameríndia (6,4%). Já na segunda coorte, composta por 1.442 pessoas da pequena cidade de Bambuí, no interior de Minas Gerais, a grande maioria de seu genoma é de origem europeia (78,5%), com uma pequena contribuição africana (14,7%) e ainda menor ameríndia (6,7%). Por fim, na terceira e última coorte, formada por 3.736 indivíduos nascidos em Pelotas em 1982, a influência genética europeia também é grande (76,1%), com uma contribuição africana e ameríndia um pouco maior do que na de MG, de 15,9% e 8%, respectivamente.
  Mais do que isso, no entanto, os pesquisadores identificaram nestes dados genéticos a mesma tendência ao relacionamento intragrupos étnicos e socioeconômicos vista nos estudos demográficos. Esta correlação foi mais forte nas coortes de Bambuí e Pelotas, o que os cientistas destacam ser consistente com o fato de uma maior proporção de indivíduos nestas populações ter uma ancestralidade predominante, europeia ou africana, mais clara do ponto de vista fenotípico — isto é, características morfológicas como a cor da pele, dos cabelos e dos olhos. Já em Salvador, os indivíduos da coorte são geneticamente mais misturados, o que se credita tanto a um histórico mais longo de miscigenação quanto ao fato de a amostra ser composta por pessoas de baixa renda com um status socioeconômico mais homogêneo.
  — Somos misturados, mas não tanto quanto imaginávamos — diz Tarazona, principal autor de artigo sobre o estudo, publicado ontem no conceituado periódico científico internacional “Proceedings of the National Academy of Sciences” (PNAS). — Não diria que nossos resultados derrubam o mito da democracia racial brasileira, até porque ela não está tão presente assim, mas certamente nossa pesquisa relativiza ou modera esta imagem. Do ponto de vista histórico, nossa miscigenação difere da de outros países como os EUA e a África do Sul, onde a segregação foi imposta por lei, mas mesmo assim o Brasil não é uma democracia racial perfeita. Seja por questões geográficas, históricas ou aspectos culturais, aqui também existe uma tendência de as pessoas com origem mais europeia se casarem com outras de origem mais europeia, e de pessoas com origem mais africana se casarem com outras de origem mais africana.
Tendência em Mutação:
  Esta tendência, no entanto, está mudando aos poucos. Em estudo publicado em 2013, os pesquisadores Kaizô Beltrão, da FGV, e Sonoe Sugahara e Moema De Poli, do IBGE, mostraram que a proporção dos casamentos interraciais, isto é, entre pessoas de aparentes diferentes etnias, no Brasil saiu de 8% em 1960 para 31% em 2010. Números parecidos foram encontrados por Carlos Antonio Costa Ribeiro e Nelson do Valle Silva no artigo “Cor, Educação e Casamento: Tendências da Seletividade Marital no Brasil, 1960 a 2000”, publicado em 2009 na “Revista de Ciências Sociais”, no qual identificaram uma mudança também na chamada “endogamia educacional”, com cada vez mais pessoas se casando com outras de nível de instrução diferente.
  Mas o estudo genético revelou ainda outras curiosidades sobre a formação da população brasileira que batem com os relatos históricos. A análise dos genes de origem europeia dos três coortes mostrou, por exemplo, que enquanto em Salvador esta ancestralidade é basicamente ibérica, ou seja, portugueses e espanhóis, em Pelotas e Bambuí há contribuições significativas de populações de outras regiões da Europa e até mesmo do Oriente Médio.
  De acordo com Tarazona "Isto é um reflexo direto da política de estímulo à migração de italianos, alemães e outros a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX com a qual os governos da época tencionavam “branquear” a população brasileira".
  Além disso, o estudo identificou duas diferentes fontes de genes africanos bem divididas entre as coortes. Enquanto em Salvador esta herança é basicamente iorubá e mandenka, populações do Oeste da África que formaram o grosso da primeira “onda” da diáspora africana nos tempos coloniais, desembarcada nos portos da região da então capital do país, similar à vista em estudos genéticos do tipo com afro-americanos do Caribe e dos EUA, em Bambuí e Pelotas os genes vêm principalmente dos povos bantu de Moçambique, trazidos para o Brasil em um segundo momento via Rio de Janeiro.
  — Mesmo com a tentativa de “embranquecimento”, as populações do Sul e do Sudeste trazem esta assinatura genética do Leste da África quase única e que não se vê em Salvador ou entre os afro-americanos nos EUA — conta Tarazona. — E como o Brasil não tem os registros históricos destes desembarques, destruídos após a proclamação da Lei Áurea, os estudos genéticos podem ajudar a preencher esta lacuna.
  Fonte: ORM News
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