Um silêncio sobrenatural riscado por ruídos silvestres abafados pela vegetação intensa, é das lembranças mais fortes de um passeio de barco nos furos e ilhas que cercam Belém do Pará.
Após alguns minutos do centro da cidade, de cujo porto a traineira se soltou pela baía de Guajará, logo estamos imersos num cenário amazônico, navegando pelos igarapés, observando as margens frondosas. Ao desligar-se o motor do barco, o silêncio nos remetia ao umbigo do Brasil.
Mas Belém e a civilização (?), estavam ali ao lado. Essa proximidade dos dois extremos é o que mais me encanta na cidade.
É algo que se impõe a todo instante. A natureza está presente brutalmente nas pancadas de chuva diárias, na alta umidade do ar, na presença ali ao lado do rio Amazonas, cujo braço de mar envolve ali a ilha de Marajó.
A comida é maravilhosa e marcada pela proximidade com a natureza (sim, o alimento não nasce nas bandejas de supermercado). Do tacacá que se come nas ruas (mais autêntico dos pratos brasileiros), ao festejado pato (ou peixe) no tucupi. Sem falar no casquinho de muçuã, tartaruguinha que se criar para o consumo.
No mercado, peixes de aparência jurássica, ervas com aromas gustativos e curativos, garrafas de tucupi, tudo remete à cultura da selva, inclusive a bela e frenética feira do açaí que acontece nas madrugadas bem ao lado.
Nos restaurantes mais festejados – como o Lá em Casa, da família de Paulo Martins, banhado pela mansa baía do Guajará, e os Remansos do Peixe e do Bosque, dos irmãos Castanho – o brilho não é da cozinha europeia, mas a de ingredientes nativos.
Mas, no meio de tanta selva, está a mão do homem, que, entre muitos estragos, também deixou belas marcas.
O próprio Mercado Ver-o-Peso tem uma imponente estrutura de ferro datada do começo do século. Época da riqueza da borracha, que produziu ainda marcos arquitetônicos como o Theatro da Paz e o cinema Olympia.
Em Belém tenho que comer pirarucu, mas também ir ao museu Emílio Goeldi. Tenho que passear diante do que resta de fachadas coloniais. E tenho que fazer meu farnel, como eles: o paraense é famoso pelas caixas de isopor que despacha no avião quando viaja para fora de casa (com jambu, pimenta-de-cheiro, açaí de verdade.... e pratos prontos).
Também deveria ir à grande festa local, o Círio de Nazaré. Este eu tenho perdido e lamento. Mas acho que devo ir, apesar da multidão que me cansa. Deve ser como o desfile de Carnaval no Rio: é preciso ir ao menos uma vez na vida, e se extasiar. Mas este eu já tiquei.
Por Josimar Melo em Folha Turismo